Depois de perceber que até aos dezoito anos que é aquela idade que os jovens se emancipam , ele saiu da Austrália para fazer a viajem da vida dele , traçou num mapa que o acompanha desde os 18 anos , um velho mapa mundo riscado com varias cores , e que só para ele têm significado , as linhas significam as primeiras viagens , que depois de 8 intensos anos de surf Australiano a primeira viagem dele era Havai ,era uma especie de viagem de sonho,nunca me disse quanto , mas diz que agarrou em todo o dinheiro que tinha e arrancou para a primeira etapa da vida dele.
Acho engraçado a forma dele contar tudo isto , eram longas as sessões de conversa em grupo , sabem que em Peniche faz frio a noite , e a malta aguardava pacientemente pela saída do bar , para atentamente escutar as historia deste homem que tanto tinha para contar , e nós tanto para ouvir, chegávamos mesmo a ver os olhos de muitos de nós brilhar só de imaginar os locais sagrados que este homem visitou. Uma coisa engraçada , ele diz que nunca viajou com a prancha dele , e que quando chegava ao local comprava algo usado que se adequasse ao surf dele , e que depois oferecia a alguém quando se vinha embora , cheguei muitas vezes a perguntar o porque dele estar a fazer uma espécie de rewind da longa vida de gozo que teve , ao que respondeu:
-O tempo tinha passado, 22 anos , e achava que estava na hora de voltar , e fazer tudo aquilo que a lei da vida manda , pois chegou a minha hora.
Chorou , achei mesmo que não de desgosto , mas de alegria de estar rodeado de amigos que o respeitavam a partilhar o que de bom a vida lhe trouxe , bom surf , bons locais , muitos amigos pelo mundo fora , mas acima de tudo a liberdade que o dinheiro lhe deu de desfrutar tudo de bom que há na vida , eu sei que a inveja é um pecado mortal , mas não me importo de dizer , que inveja tenho de ti.
Jonh nunca passou mais de 2 meses no mesmo local , voltava sempre ao local que ficava com boas recordações , a Peniche era ai a 10ª vez que voltava , o porque , nem ele sabia , diz que gostava do cheiro da terra , o curioso é que sempre arranjava trabalho , muitas vezes nem queria receber , queria apenas um local para passar algum tempo , o resto deixassem por conta dele. Em Portugal conheceu o litoral alentejano , diz que nunca surfou na Costa de Caparica dizia que era muita confusão , foi no litoral alentejano que começou a sua viajem por Portugal , subiu , e foi até ao norte , praias que nem se lembra do nome , trabalhou em Ofir , mas foi em Peniche que elegeu o seu “spot” por cá.
Podia o Jonh ter vivido uma vida boémia como muita gente se calhar com as condições de vida que tinha o faria , mas preferiu trabalhar , fazer o que gostava ensinar o pouco que sabia , até nisto ele mostrava o quanto humilde era , pois sempre achou que sabia pouco , mas mesmo assim gostava de transmitir o que lhe restava.
Tive pena de não o conhecer a mais tempo , vá-se lá saber o porque de se ter cruzado na minha vida , para já tenho a honra de dizer que eu apanhei umas ondas ao pé dele , fazia-me lembrar outros tempos , outras pessoas , sentado na minha tábua , também fiz um “rewind” e as saudades mataram-me .
O Jonh é daquelas pessoas que todos achamos que o conhecíamos a muitos anos , parecia da família , nunca deixou de dizer que gostava que a gente fosse visita-lo a sua quinta , para juntos irmos ao local onde ele começou a surfar , dizia que tinha conhecido muita gente mas que era dali que levava as melhores recordações , pois tinha conhecido algumas pessoas especiais e não queria perder o contacto.
Falava durante horas e nós atentamente ouvíamos a sua historia num Português-Australiano engraçado , achei mesmo o Jonh parecido com aqueles teatros de aldeia , em que temos uma peça e a vamos apresentar , ele tinha fotos , documentos , passaportes , gesticulava com as mãos e com o corpo cada cena da sua vida.Tem duas malas enormes uma delas cheia de recordações de locais onde esteve , para não falar segundo ele da cave que têm em casa cheia de tralha das sua viagens , são 22 anos de recordações que vão ser tratadas e segundo ele vai virar uma espécie de museu , que ele diz que quer contar as historias ao netos.
Achei piada que ao fim do dia sentava-se num local isolado , e por respeito todos percebiam que era a hora do retiro , tinha um caderno onde escrevia alguma coisa que nunca ninguém soube , achei curioso , e um dia sentado numa duna veio por ai abaixo , e com o caderno na mão disse:
-É o meu diário , que um dia publicarei!!!
E com uma lágrima lá dizia que naqueles cadernos que eram mais de 50 estava toda a sua historia de tantos anos , de tantas saudades , de muitas aventuras , era o registo da sua vida , ele dizia que era o passado dele , e sem aqueles cadernos a vida dele não tinha sentido.
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